SerUrbano

Livro Pensamentos Apócrifos

Livro Entalhes

Livro Entalhes



Às vezes, as palavras me parecem totalmente vazias, sem força; a poesia legada à insignificância de não poder modificar rumos e criar novos caminhos.

Às vezes, penso justamente o contrário. É nessa hora que escrevo.




A PORTA

 

Chego tão tarde,

mas a porta aberta

me fascina

e estimula minha andança.

A poesia arde,

irrequieta,

e brinca no teclado

uma palavra incerta:

esperança.

 

 

 

A FOLHA


Bebo meu vinho,

Busco inspiração.

A folha em branco

Me diz: não.

 

Descanso a caneta,

Clamo à paixão,

Mas a folha em branco

Repete: não.

 

Calo meu poema,

Aborto a criação.

E a folha arrependida

Grita: vem, desvirgina

Essa imensidão!

  

DESENHO

 

No esquadro

Traço o traço

Reto, comportado.

Vida definida, limitada,

Fronteiriça.

 

No compasso

O arco, o círculo,

Num vai-e-volta

Acabado.

O que era início

É fim do espaço.

Vida no calabouço alinhavado.

 

Mas a mão livre

Procura sua condição,

Faz a situação,

Dribla a exatidão.

Desfaz o comportamento

Abrindo a mente

Para o momento.

A vida cria sua criação.

 

 

NALGUM LUGAR

 

Em algum obscuro intervalo

desse meu labirinto

do querer,

em algum canto

desse meu porão

vazio de vontades,

em qualquer de minhas

íntimas e primitivas

cavernas da memória,

encarcerado e martirizado

pelo esquecimento,

repousa um revolucionário

rapaz de dezessete anos

dourados.

Desiludidos,

quem sabe?

Nem eu.

Mas, é certo,

que em algum lugar

aqui dentro de mim,

sinto que ainda

não morri.

 

  

PERFIL

(Minha Vida)

 

 As telas,

eu não as logrei comprar.

Receio de perder a alvura

para o amarelar do tempo.

 

As tintas,

eu as guardei no cantinho da gaveta.

Arco-íris sintético

embalsamado pelas vontades perdidas.

 

Os entalhes,

Não os consegui talhar,

me faltaram as ferramentas

da decisão e da coragem.

Desilusão.

 

As armas,

não pude sustentá-las.

Revolução frustrada,

abafada pela razão,

paixão levada pela brisa

do consciente.

 

As oportunidades,

a vida me apresentou-as.

Larguei-as, porém, à deriva,

como um comandante embriagado

pelos sonhos, em alto mar.

 

Hoje,

sou tinta sem uso sobre telas em branco.

Sou madeira virgem

sem as ranhuras da imaginação.

Sou arma sem punho

e sem artilharia.

 

Sou, talvez,

uma grande oportunidade perdida.

Só me restaram

a pena, o papel, as letras,

para pintar palavras,

entalhar ideias/ ideais,

a(r)mar

minha revolução.

 


CAMALEÃO


Era um Camaleão.

Em cada bar uma transmutação,

Em cada amor uma subversão,

Camaleão.

Cada momento uma sub-rogação,

Com toda lei uma contravenção,

Cada pensamento uma solidão,

Em cada esmola uma salvação,

Camaleão.

Em cada vida uma crucificação,

Em cada morte uma ressurreição,

Em cada espelho uma veneração,

Em cada esquina uma prostituição,

Camaleão.

Pra cada amigo uma devoção,

Em cada copo uma solução,

Cada pecado uma absolvição,

Nada de concreto, só abstração,

Camaleão.

Em cada folha branca uma confissão,

Sendo só um, uma multidão,

Crime por crime sem sudação,

Em cada olhar uma condenação,

Em cada caminho uma bifurcação,

Em cada carta uma adivinhação,

Em cada alma uma personificação,

Em cada túnel uma escuridão,

Camaleão.

Cada mulher uma masturbação,

Cada resposta uma interrogação,

Em cada passo uma vacilação,

Em cada deus uma punição,

Em cada igreja uma oração,

Em cada filha uma indagação,

Cada paixão uma sublimação.

Era, no fundo, um Camaleão.

 

  

EU NOITE

 

Não me peça palavras doces,

nem cores alegres.

Só tenho cinza e sal.

 

Não me peça carinhos e amor,

nem momentos felizes.

Só tenho amargura e dor.

 

Não me peça ilusão,

nem caminhos a seguir.

Só tenho a indefinida realidade.

 

Não me peça a solidariedade,

nem o perdão.

Só tenho mágoa e rancor.

 

Não me peça o calor,

nem a claridade.

Só tenho o frio da escuridão.

 

Não me peça a liberdade,

nem o prazer.

Só tenho a desolação do cárcere.

 

Não me peça o sol,

nem o dia.

Só tenho a solidão da noite.

E a noite em mim.

 

  

SOLIDÃO

 

A solidão

ainda me acompanha

por todos os cantos escuros.

É minha inspiração,

minha mãe,

meu pão.

Meu sonho, quimera.

Pantera

ferida

que me fere a vida.

Amante no colchão,

me faz rolar.

Solar

dos meus desvarios.

Navio

no meu mar morto

de ilusão.

Solidão que me ilumina.

Minha bebedeira.

Minha bandeira

caseira.

Minha guerra, minha paz.

Minha subversão.

Minha terra,

plantação

de girassolidão.

Solidão, solidão.

Meu sangue,

meu mangue,

minha água doce.

Meu luar,

tristeza

que me alegra

e me faz

amar.

 

  

ALFORJE

 

Carrego no meu alforje de andarilho

os gritos do mundo,

dos meninos de rua

e dos vagabundos.

Carrego o desespero

dos ratos

mais que dos gatos.

Os gritos dos perdidos

e desesperançados.

Na noite, sem lua, acordo

e vejo o brilho

das palavras sem rima,

o reflexo das lágrimas

sem lenços e sem lençóis.

 

Vago no trilho infinito,

e, nesse andar,

esqueço

os meus próprios gritos

e envelheço.

 


MEDOS

 

Eu, ontem, perdi um pouco

de mim mesmo,

na esperança de encontrar

solução para o que sinto.

O nome é medo.

Me perdi no medo da morte,

de começar outra vez,

de parar ...

e perder.

No silêncio da noite,

vi o nada da morte,

e, neste nada, me perdi,

sem luz.

Não me julguem, que eu

já me condenei.

Sou culpado

por não fazer

feliz você e os outros.

Sou culpado por não ser.

E o castigo

foi perder,

como de outras vezes,

um pouco de mim mesmo.

 

 

ORAÇÃO

 

Que a noite seja sempre noite

e cada vez mais negra.

Que não cantem os pássaros

nunca mais.

Que seque toda árvore.

Que não haja consolo para os que precisam,

mas muita dor para os sofredores.

Que não haja água para saciar a sede.

Que todos os pensamentos nobres

sejam em vão.

Que as almas se tornem insanas

e as mentes apodreçam.

Que não exista mais esperança e o homem

pereça diante de seu egoísmo.

Que outro “dilúvio” venha para arrasar

e exterminar todo ser vivo.

Que não haja um só movimento sobre a terra.

E que, depois disso, se faça brotar no ar

a mais linda borboleta,

como símbolo de liberdade e pureza.

E que o primeiro homem dessa nova era

saiba compreender isso,

e não jogue fora o que de mais lindo

lhe foi dado.

Amém.

 


ÚLTIMO INSTANTE

 

Eu vou beber

a última taça de vinho

e vou chegar

ao fim do caminho

e enlouquecer.

Porque a loucura

é o prêmio

e talvez a verdade.

Eu vou cantar

com o último pássaro

o nosso canto de liberdade.

E esquecer todo o mal,

todo o frio,

a realidade.

Vou me encostar

no último arbusto

e me aquecer ao sol

e sonhar.

E me assustar

quando o silêncio chamar

meu nome.

Então,

no último riacho,

vou matar

minha sede,

e ver meu rosto refletido,

curtido,

vivido.

E ver o tempo que eu vivi

passar.

Eu vou gritar

meu último suspiro

contido.

E vou chorar,

e sofrer.

E calar.

E vou morrer.

 

 

MINHAS MORTES


Sou tantos e tão diversos

Que muitas vezes me desconheço.

Em vários cantos me disperso

E nem percebo quando anoiteço.

Nos acalantos me perco, imerso,

Salto assustado quando amanheço.

Sou tantos e tão diversos

Que muitas vezes me desconheço.

Sob os mantos desse universo

Poeira ínfima me reconheço,

Em prantos eu me converso

Na poesia me aconteço.

 

Tão diversos são meus tantos

E perversos os desencantos

Que em minhas mortes me despeço

Mas em meus versos permaneço.

  

DIA CINZA

(a Carlos Drummond de Andrade)

 

Dia cinza.

Cubos cinzas

(edifícios),

angustiantemente cinzas.

Ruas tristes,

pensamentos cinzas,

solitários.

Ar parado,

tensão.

Sol frio.

Falta de assunto nas esquinas,

olhares perdidos.

Nos parques,

crianças em silêncio,

brinquedos desconsolados.

As flores

estão murchas

no jardim da verdade.

Trégua na guerra,

paz.

Palhaços sérios,

circo vazio.

As bandeiras não tremulam

nos mastros.

O tiquetaquear dos relógios

é surdo, opaco.

Cinza, tudo cinza.

Mundo mundo vasto.

Raimundo agora não é rima

nem solução.

E os Josés se perguntam:

e agora?

Vão,

vago,

abismo.

Buraco negro no universo das palavras.

Greve geral

no sentimento do mundo.

As lágrimas molham o papel,

fogem do escritório

em direção à rua,

indo banhar a rosa

que nasceu no asfalto.

É o poeta chorando

a morte de seu mestre.

 

MINAS

(a Milton Nascimento)

 

Sê negro!

Mas negro de raça,

tigre que não abandona a caça,

homem que fala, de pirraça,

daquilo que não acha graça.

Que fuma e bebe cachaça,

e que, no meio da fumaça,

tem tempo pra dizer

que a vida na roça é

de graça, pra todos

que querem viver.

 

 Sê negro!

Mas negro na cor,

pássaro livre, cantador,

homem que canta com ardor

a alegria e a dor,

sem censura e sem pavor.

Canta a agonia do povo,

este povo sofredor,

que trabalha noite e dia

sem ninguém lhe dar valor.

Canta seu canto de amor!


Sê negro!

Negro de Minas Gerais,

que não esquece jamais

as montanhas dos metais,

as fazendas e seus quintais,

a bica, carro de boi, trem de ferro

e tudo mais.

Eu bem te quero,

negro representante das Geraes.

 

POEMA A AUGUSTO DOS ANJOS

 

Todas as vértebras naquele caixão,

Ainda abraçadas pela carne fria,

Vão se decompondo em desunião,

Deixando a vida e a poesia.

 

Em uma nebulosa se encontrarão

Reconstruindo a alma vadia

E transformando aquela escuridão

Em útero de pura rebeldia.

 

Foi um Augusto, embora marginal,

Do simbolismo que o desconheceu,

Iconoclasta do seu próprio EU

 

Fez da palavra sua arma letal

Degenerando a alma em desarranjos

E alimentando o inferno astral dos Anjos.

 

 COMPANHEIRO

(Ao Nando, Ricardo e Zé)

 

Companheiro,

o que é isso?

Que não se compra

com dinheiro?

Guerrilheiro

das florestas de pedras,

do pantanal dos sonhos?

Garimpeiro

da pedra mais preciosa:

AMIZADE?

Utopia,

algum tipo de magia

que se faz pular

da cartola?

É algum jeitinho

brasileiro?

Talvez seja o marinheiro,

desertor do navio

negreiro,

horrorizado com a

covardia.

Ou será a maresia

que corrói

para provar a força

do mar?

Por certo não será

o fuzileiro,

que assassina

o prisioneiro no paredão.

Não! Não!

É mais fácil

ser a alegria

da correria

das crianças livres,

nos parques de

diversão.

Será o lutar

pelo ideal

de pensar,

de libertar

qualquer opressão?

Ou será impressão?

Será a vontade de

beber junto?

De sorrir e vibrar,

planejar e apertar

as mãos?

O que é isso

que há tanto tempo

perdura?

O que é isso,

companheiro?

 

 FRENTE FRIA

 

A chuva é chata.

O frio abraça o osso,

achata a cara

próximo ao pescoço.

O vento assopra, açoita

no ouvido o zumbido.

Assopro ferido.

A testa atura a baixa

temperatura, franzida.

O forro, o gorro, no jorro da

neblina mansa

que cansa, cansa, cansa.

A luva calça as mãos,

realça a proteção do tato.

Guarda-chuvas e sombrinhas

se esbarram trocando

breves agressões na pressa

fugidia da frente fria.

 

QUINTAL

 

Cheiro de terra

molhada.

Cheiro de chuva

pisada,

amassada.

Frutas no pé,

pegando.

Pássaro livre,

cantando no espaço,

comendo mamão.

Bicho de goiaba.

Tatuzinho bola no chão,

gritos de alegria.

Criança levada

brincando,

pulando.

Cachorro latindo.

O sol, a sombra,

a rede

balançando.

O cochilo do almoço,

o rosto

feliz.

 

 MULHER

Como pode ser uma mulher

tão noite e tão dia,

tão caseira e tão vadia,

tão primavera e tão outono,

tão quimera e tão razão?

 

Como pode ser esta mulher

tão inverno e tão verão?

Como pode ser tão festeira, tão fogosa,

tão matreira e perigosa?

Assim tão freira e religiosa?

 

Como pode ser uma mulher

tão vandalismo e tão construção,

tão idealismo e pé no chão?

Tão fina e tão dama,

e ser outra na cama?

 

Como pode ser

tão divina e infernal,

tão menina, e, quando quer,

ser simplesmente

mulher?

 

OURO PRETO

De pedra preta

é a alma branca

das estátuas.

Negra solidão.

Manhã

na frente-fronte das caras

limpas.

Frio e fome

na neblina transparente.

Corta a carne,

dói os dentes.

Arde os olhos,

mata gente.

Negra é a alma das brancas

estátuas.

Luz de sol,

reflexo de dor

dormindo nas calçadas

de sangue, luta e liberdade,

morte e vida,

traição e amor.

Vila Rica de sangue latino,

ouro negro da glória

e da coragem.

Livre por um dia ser,

gritar.

Falar

dos homens que por aqui

pensaram,

ficaram no chão

sabão-de-pedra,

na grade velha, ferrugem.

Nos sonhos do amanhã-será.

 

ÁGUAS PASSADAS

 

Havia um rio

de águas claras,

peixes vivos

e pássaros

se saciando

junto às crianças

nadando.

Havia pesca,

havia matas.

Um dia,

aportou o homem,

plantou as indústrias,

foi colhendo

seus lucros,

não importando

nada além.

Morreram os peixes,

adoeceram as crianças,

sumiram as aves.

Não há mais pesca

e as matas queimam-se.

Resta sobre as águas

a espuma branca,

morte cândida.

Submersa,

a tristeza

de ter sido vida.

 

HIROSHIMA

(6 do 8 de 45)

 

O pássaro

metálico

sobrevoou a cidade

atônita.

Desovou no ar

a maldição,

que se chocou

com a terra

e na hora

H

explodiu,

fazendo surgir

no horizonte

o cogumelo

branco-acinzentado

que se avermelhou

de sangue.

A natureza se surpreendeu.

Os animais se surpreenderam.

As pessoas se assustaram.

Gritos e desespero

antes do silêncio

mortal.

A poeira se dissipou,

o pássaro se foi.

Cheirou-se uma aridez cadavérica.

E a humanidade

perdeu

um pouco mais de sua

humanidade.

 

PAÍS BALDIO

 

Neste terreno baldio

escondem-se as crianças de rua,

os homens de rua, famílias sem rumos.

Esqueléticos meninos chatos

fazem-nos tropeçar na realidade

e cair de nossos sonhos.

Barrigudos pingentes da vida,

com tristes olhos a perguntarem

desigualdades.

Neste terreno baldio ocultam-se os crimes

mais claros, diários.

Mafiosos camaleões

transmudam-se convenientemente

e saem, cabeças erguidas,

entre a multidão.

As consciências ficam nas esquinas

pedintes, mendigas.

Desgoverno é a lei do cão,

e o cão que se cuide,

estão à solta no planalto central.

Neste terreno baldio,

os miseráveis,

doentes de fome,

devoram programas de televisão

e vomitam esperanças.

Neste terreno baldio,

apodrece um país.

 

O BECO

 

Por que são bêbados

os homens

do fundo do beco?

Que dor lhes corrói a alma,

tal qual o álcool às vísceras?

Que vida lhes bateu na cara?

Que decepção sofreram,

que horizontes não viram,

e foram procurar nas paredes

do fundo do beco?

Que fome lhes perfura a dignidade?

De onde vieram,

que sociedade lhes cuspiu

sua hipocrisia?

Que gente é essa que passa

na porta do beco

e não se interessa?

Que bêbados são esses

que sem saída se refugiam

no fundo do beco

sem saídas?

Por que estão sem norte,

sem sorte,

sem morte,

condenados à vida?

Que sina têm,

por que vagueiam?

E perdidos vão se perder,

juntos,

no fundo do beco?

Que beco é esse que é frio,

que é escuro,

que não tem saída,

e que apesar de tudo

é melhor que a vida?

Será isso vida?

Que vida é essa que recebe os homens

e os transforma em bêbados?

Que sociedade é essa

que convive com o beco,

e se faz de cega?

Que país é esse

que tem tudo isso

e ainda quer sorrir?

 

VIOLÊNCIA URBANA

 

A cara no chão,

o tiro no peito,

o sangue escorrido ...

Ele era ladrão,

não tinha outro jeito,

estava fugido.

 

Não é ele não!!!!

Esse é outro sujeito.

Tem que ser socorrido,

não é ele não!!!!

Nada pôde ser feito...

Já tinha morrido.

 

Minha cara no chão,

sou outro sujeito

ao tiro no peito,

sem ser o ladrão.

Com sangue escorrido...

Não era eu não!!!!

Nada tinha mais jeito.

Nada pôde ser feito.

 

QUANDO

 

Quando a miséria é tanta

que a aridez da fé

seca as lágrimas,

e chorar chega a doer ...

 

Quando a fome é tamanha

que a flacidez da pele assusta

e envelhece prematuramente ...

 

Quando a tristeza é tanta

que se perde a noite

com medo de sonhar ...

 

Quando as crianças choram

que chega a ecoar

no coração tanto desalento ...

 

Quando o sol é tão forte

que seu calor não esquenta,

mas fere a carne fraca ...

 

Quando o frio é tanto

que gela a alma

e enrijece os sentimentos ...

 

Quando a saudade é utópica

e o passado

deixa de existir ...

 

Quando o amor é um inferno

que anjo algum

consegue amenizar ...

 

Quando não há espaço,

as paredes se encontram,

o teto desaba,

o ar angustia

e tudo sufoca ...

 

Então...

É preciso lutar.

É preciso R E V O L U C I O N A R!!

 


RESISTINDO

  

Tem mais é que agitar a vida

e acontecer.

Tem muito pra contar,

tem sempre o que fazer.

 

Tem mais é que encarar a lida

e curtir.

Tem muito pra cantar,

nem sempre é pra sorrir.

 

Tem muito pra mudar na luta

e no viver.

Tem sempre o que chorar,

tem sempre um pra morrer.

 

Tem mais é que cair na roda

e levantar,

sem nunca desistir,

que luta é pra lutar.

 

Tem muito pra correr de encontro

e encarar.

Tem sempre o que sofrer,

tem sempre a dor de amar.

 

Tem mais é que deixar a chave

de lado,

fazer pressão e arrombar

o cadeado.

E, se for obrigado

a ficar de bico calado,

colocar a língua pra fora!

 


DESCOBERTA


Deixe-me te penetrar,

me enfronhar,

te conhecer

que longe estamos

vivendo juntos

no mesmo ser.

Deixe-me te saber,

descortinar

tua face,

fotografar e revelar

teu ente,

me aprofundar

que somos frutos

da mesma mente.

Deixe-me te absorver,

me alimentar

deste querer,

de toda angústia,

todo mistério,

todo sofrer.

Vem, pra te guardar

e acasalar.

Vem me envolver,

me pertencer,

e sermos uno

neste nascer.

 

APENAS AMOR

 

São dois corpos          s e p a r a d o s,

na cama                                  jogados

em confusões de amor.

São dois corpos

e um voltar calculado,

encostar sossegado,

em tensões, pavor.

São dois corpos num ato          atirado,

e o gelo quebrado

em mansidões e calor.

E de repente colados,

rolando para os lados

no colchão, com sabor.

E um suor abafado,

um grito calado,

convulsão e dor.

Os dois corpos

suados calados gelados grudados.

São apenas um sentimento.

São apenas amor, se esquecendo do mundo,

eternizando o momento.

São dois corpos amando.

São dois corpos sofrendo o amor.

 

LUA CHEIA

 

Sob a luz

azul do abajur

de cabeceira,

vigiados

pelas imagens

de Cosme e Damião,

sobre a penteadeira,

numa febril atmosfera

de amor e dor,

entre olhares silenciosos,

lábios caçam lábios.

Mão na mão,

dedos aflitos,

respiração ofegante,

balé mudo e ritmado

de sombras.

O suor

libera um perfume

de afagos,

as pernas

repousam entrelaçadas calorosamente,

suavemente.

Os corpos são quase um,

sensualmente superpostos.

No ar reina,

silente,

um ardor sexual.

Lá fora é noite de lua cheia.

 

INACABADO


Aquele carinho

No meio da tarde

Feito de mansinho

Sem causar alarde.

 

Aquele carinho

Mão posta na mão

Bem devagarzinho

Início de paixão.

 

Aquele carinho

Olhos que me falam

No ouvido, baixinho,

Vontades que não calam.

 

Aquele carinho

Rolando pelo chão

O medo num cantinho

Fora do coração.

 

Aquele carinho

Atitude aberta

Livre passarinho

Felicidade descoberta.

 

Aquele carinho

Ato consumado

Saudade com jeitinho

De poema inacabado.

 

 

AMOR COMEÇA TARDE

(como diria Drummond)

 

Se não é como fogueira em chama,

Se não queima, nem crepita e arde,

Então, começa tarde

O amor.

 

Se menos liberta e mais engessa,

Se é menos ação do que promessa,

Então, tarde começa

O amor.

 

Se não grita nem reclama,

Se não luta, só proclama,

Se abandona e é covarde,

Então, começa tarde

O amor.

 

Se não é lua cheia alucinante,

E sim apenas uma quarto minguante,

Que tem obscurecida boa parte,

Então, começa tarde

O amor.

 

Se não é sol em demasia,

Que esquenta o sangue em euforia

Transformando tudo em hemorragia,

Que não estanca de tanta emoção,

Começa tarde, então,

O amor.

 

Se tudo isso acontece,

Concordo com o poeta itabirano.

Esse sentimento que não é profano,

Que não tonteia nem desfalece

E se apresenta quando cai o pano,

Inicia aí a sua arte.

 

Assim começa tarde, muito tarde,

O amor.

 


POETA

 

Voamos

em busca da claridade,

do sol.

Aves marginais

à procura de seus caminhos,

abandonando seus ninhos.

Delineando

novos desenhos,

novos rumos,

novas linhas,

buscando novo ponto de fuga,

sem fugas.

Voamos

em busca da liberdade

roubada,

aprisionada nas gaiolas

do semprigual,

do prim-prim global,

do antro governamental.

Voamos,

pássaros ébrios

de sonhos,

depositando palavras

de(s)esperanças

na utopia das cabeças.

Voamos

para os versos diários

que a vida faz.

 


POEMA

 

Somos a mistura de todas as cores

na cara do palhaço.

Todos os seus sofrimentos e amores.

 

Somos a representação

de todas as comédias

dos palcos,

de todas as tragédias

reais.

 

Somos a ação e reação

do povo,

que às vezes aplaude,

outras vezes vaia.

 

Espelhamos a vida,

artistas que somos:

repórteres, fotógrafos, contistas ...

 

Registramos no papel o sentimento

humano,

sujo, alegre, hipócrita, solitário.

Na ponta da pena, o pequeno

tributo,

ora astuto e sagaz,

ora ordinário ...

 

Porque também erramos

como erra a vida,

que quase nunca acerta ...

Porque somos iguais a ela,

somos imortais,

somos poetas.


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