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Poemas:
SERURBANO
Serurbano
Lobo
isolado da matilha
que
carrega no laptop
sua
própria ilha
e
se entope
de
desinformação.
Esse
serurbano
esse
serumano
habitante
das catedrais do progresso
ser
mundano
ser
putano
do
fundo das cavernas egresso
ano
após ano
de
modo insano
vai
construindo sua destruição
e
se desconstrói
a
cada nova construção.
Adepto
do sucesso
manchete
de televisão
escravo
do facebook
sempre
buscando um novo look
se
entrega a qualquer tentação
sentado
à longa mesa
gente
por todo lado
e
ele sempre isolado
celular
sempre à mão
teclateclatecla
sua infinita solidão.
Serurbano
cercado
por
ferragens e concreto
o
céu já não é seu teto
a
natureza é virtual
no
moderno computador
virtual
também é o amor
todo
em rede social.
Hoje
é outro animal
muito
muito mais seguro!
muro
muro muro muro
uma
gruta especial.
Serurbano
atual
sem
um olhar
sem
um grito
a
face não tem feição
botox
na alma
silicone
no coração
delete
nos sentimentos
up
grade na desilusão.
VAGALUMEANDO
Vivemos
todos
da
boca pra fora
dentes
postiços
sorrisos
de Facebook.
Mal
hálitos
mal
hábitos
num
vazio internético.
Frenéticos
por
sentimentos vãos
mãos
vagando
em chãos
longe
dos céus.
Joelhos
em
dobras servis
e
mentes e atitudes
vis.
Vivemos
todos
vagalumes
loucos
iluminando
o passado
voando
escuridões.
Raquíticos
pensamentos
resquícios
de momentos
que
não virão.
Vivemos
tolos.
VIDA PEQUENA
Tinha
vida pequena
não
alçava voos.
Em
raras tentativas
chocava-se contra
a
vidraça da janela.
Ou:
Pela manhã
a
preguiça pesava-lhe
as asas.
À tarde
sentia náuseas com
a
barriga cheia.
À noite não
vislumbrava horizontes.
Então
Deitava a cabeça no travesseiro
e oferecia o pescoço
à guilhotina do tempo.
DESERTO
Sozinho
traço
meu
singular caminho.
Abraço
meus
destroços,
junto
cada pedaço
e
me reorganizo
conciso
todo
dia.
Materializo
derrotas
impensadas
encontradas
nas
tantas curvas
desta
minúscula estrada
conhecida
como
vida.
Não
há deuses que me auxiliam
nem
demônios que me atrapalham.
Todo
plano é
só
esboço,
todo
desenho
a
borracha do destino
apaga.
O
tempo esgarça
minhas
vontades,
esfacela
minha
mente
e
passa.
Desconjunta
meus ossos
desidrata
minha pele.
E
mais rápido que o vento
leva
meus cabelos
e
embranquece
todos
os meus outros pelos.
Sozinho
danço
no descompasso,
tropeço
mas
sigo ereto
sol
a pino
sobre
as infinitas
dunas
desse
meu deserto.
O mito da (minha) caverna
Tem
um tempo,
curto
como a eternidade,
em
que eu hiberno.
No
fundo
mais
profundo
do
fim do meu mundo,
eu
me escondo de mim.
E,
de lá, até meu inverno passar,
fico
olhando o mundo aqui fora.
E
ouço palavras quebradas
e
vejo dedos apontados
e
atos desatados,
num
desafino sem fim.
Mas,
na frente dessa caverna,
meu
guardião está a postos.
E
vive a plenitude da mentira,
a
cara lavada para a plateia
as
mãos postas em juramento
em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo,
junto
com toda a humanidade.
Nesse
tempo,
só
minhas sombras dizem a verdade.
ENVELHECENDO
Eu
vi o dia raiar
voltando
da boemia.
Ouvi
a esperança gritar
contra
o tempo que corria.
Na
cara do dia havia
um
belo sol a queimar
minha
esperança vadia.
E
o tempo a gargalhar!
Senti
que a vida partia
com
o tempo a me sugar
essa
esperança tardia.
Maldito
tempo a me delatar
que
essa esperança é vulgar,
e
que eu, vivendo, morria.
O lobo é o poeta é o lobo
Do
fundo da caverna
o
Lobo espreita
a
cidade empanturrada
de
gente vazia
correria
desajeitada
sossego
que não se deita
perna
trombando com perna
festival
de alegorias.
E
o Lobo lá do fundo
não
olha mais pra parede
como
espelho da verdade
lambeu
sua castidade
vomitou
sua dor do mundo
abandonou
sua rede.
Vai
saindo lentamente
pé
ante pé vigilante
com
olhar de animal errante
e
a solidão por parente
solta
um uivo lancinante
e
o fel escorre entre os dentes.
O
Lobo sem alcateia
é
o poeta sem plateia
que
cambaleia entre prédios
palavras
sem vocação
não
faz rima de seu tédio
não
busca deus em oração
sua
dor não tem remédio
é
vida sem salvação.
INSÔNIA
Me
visita
vez
em quando.
Se
deita comigo,
me
pede silêncio e segredo.
Não
consigo fugir dos seus braços,
tentáculos
que me afagam e sufocam.
Varamos
a madrugada,
eu
aflito,
ela
me possuindo.
Ao
primeiro olhar da manhã
lentamente,
levanta e parte.
Eu
durmo.
Dor Salgada
Olhando
papéis
vazios
sobre
a mesa...
E
a luz de Tom Jobim
brilhando
na vitrola,
a
boca sentiu-se
salgada.
Olhos
que vazavam
memórias
deixaram
rastros
sobre
lábios estremecidos
e
dentes escondidos.
A
dor salgada
na
boca
espalhou
as memórias
pela
garganta
“a
palo seco”
até
o coração.
No
peito
tudo
virou larva
incandescente
e
os papéis na mesa
queimaram-se
em
Poesia.
Com teus
versos
Durmo
com teus versos
sob
o travesseiro
para
que me aqueçam
dos
pés a cabeça
e
me causem taquicardia
Poética.
Durmo
com eles
para
que minha paixão
e
minha razão
se
unam num abraço
siamês
sem
individualidades.
Durmo
com teus versos
sob
o travesseiro
para
que eu consiga
suportar
a
frivolidade dos dias
e
a insignificância do sono.
Durmo
com eles
para
ter coragem de buscar
oxigênio
na poesia
porque
a vida tola
me
asfixia.
Durmo
com teus versos
sob
o travesseiro
para
me perdoar dos meus.
BORRANDO A FASE AZUL DE VAN GOGH
Pintei
de azul
O
que já era
blue.
Eu
sou assim,
essa
capacidade
de
fazer sem alterar,
essa
raiz
profunda
em terra
árida
procurando
mar,
esse
tronco envelhecido
teimoso
em não
tombar.
Pintei
de azul
essa
Esperança verde
desbotada,
essa
maldita insone
madrugada,
esse
vil sangue
que
escorre pela
aorta.
Eu
sou assim,
esse
pintor
de
natureza
morta.
Pintei
de azul
essa
incerta vida
crua,
e
esse meu destino
cão.
Pintei
também essa
minh
‘alma nua
finalizando
esse Poema
chão.
Eu
sou assim,
esse
poetanão.
A Partida
Cansados
os olhos,
seu
azul já não brilha.
Uma
névoa sem vida predomina.
Estática,
se ausenta,
e
busca explicar o inexplicável
num
crescente desapego a si mesma.
Sonolento,
o corpo
perambula
sem vontade, sem direção.
E,
sem prumo, retorna à cama de origem.
Enfraquecida
a alma,
porque
perdeu a energia vital
propositalmente
abandonada a cada fechar de olhos.
Assim,
Ela chega
com
a mansidão da idade
com
a dignidade do desejo
com
a finitude do tempo.
Sob
o imenso sofrimento meu.
Rabiscos
Rabiscos
No
muro da memória
Tomado
pela hera
Do
tempo.
Rabiscos
Que
não leio
Mas
que estão presentes
Sob
musgos
E
trepadeiras.
Rabiscos
Que
ainda não escrevi
Mas
que têm minha
Caligrafia
Para
alguém ler
Um
dia.
Rabiscos
De
uma vã
Filosofia.
UM
DIA
Haverá
um dia
em
que a Morte virá...
e
se não bater
em
meu endereço
próximo
baterá
e
levará alguém de valor
para
provar seu poder
e
me causar pavor.
Haverá
um dia
esse,
sem poesia,
em
que Ela virá
e
falará
ao
meu ouvido, finalmente,
e
o meu nome dirá.
Confirmarei
brutalmente:
Sou
eu!
E,
levemente,
em
minha mão tocará.
Haverá
um dia,
eu
sei que haverá,
que
em algum lugar
tudo
em mim descansará.
(PEN)ÚLTIMO
POEMA
Não
tenho mais rimas para ilusão,
Aumentou
a fome, acabou o pão.
Na
festa dos milagres, o vinho secou.
Minhas
palavras foram em vão.
Queimaram
a Bíblia e o Alcorão.
A
luz divina se apagou.
Um
verso inútil foi ao chão.
Não
há mais fé na religião.
O
deus único se acovardou.
O
Armagedon iniciou.
Os
homens céticos dominarão
E
meu último poema queimarão.
Casa Vazia
Nesta
casa
onde
habito
e
que não é mais minha
morada
não
há ninguém
está
abandonada.
Corpos
vagam durante o dia,
e
se esquecem
à
noite.
Fingindo
dormir
passeiam
pesadelos.
Nesta
casa
de
cômodos largos
os
pensamentos se estreitam
espremidos
entre os cantos
da
TV.
Desencantos
diários
me
deixam perdido em labirintos conjugais.
A
saída ficou para trás.
Nesta
casa
sou
um fantasma,
talvez
um vampiro
que
se assusta ao ver
o
vermelho
e
em qualquer fase da lua
já
não se vê no espelho.
Nesta
casa
tudo
que cantava
e
era vida e alegria
hoje
silencia.
Quero-quero
Muitas
palavras minhas
são
daninhas
propositalmente
desequilibrantes
desequilibradas.
Como
aves errantes
inebriadas
na
fiação telefônica.
Sem
sustentação
voam
de volta para seus ninhos.
Mas
minhas palavras
ditas
ficam
aflitas
não
têm mais ninho
para
se aconchegar.
Ainda
assim continuo a falar,
e
arrisco um voo cego
e
me pego
(quase
um)
falcão
no bote do verbo
e
me entrego
a
este mergulho delirante.
Tudo
fantasia sonial.
Orgulho,
puro orgulho,
de
não ser pardal
nem
tanto ave de rapina,
faço
do meu poema
minha
própria chacina,
e
não peço perdão
ou
oração.
Só
Quero-quero mesmo
minha
solidão.
Leilão
Se
eu não tenho mais
amor
pra dar,
quem
vai querer me habitar?
Morar
nesta casa sem teto,
e
sem paredes de afeto,
onde
não há mais luz
para
iluminar
os
pensamentos,
nem
água para lavar
a
alma?
E
nem, durante
a
lua minguante
e
calma,
há
como me
caminhar
pelo
chão,
pois
no lugar do piso
há
um grande vão?
As
janelas dessa minha
casa
fecharam-se
numa escuridão.
Quem
vai querer
me
habitar, então?
Quem
vai querer
deixar
o vento
ventilar,
ir
à cozinha
do
meu desalento
e
ver se ainda há
poesia
na
lata de mantimento?
Quem
vai querer explorar
essa
moradia
faça
frio, faça sol,
faça
noite, faça dia?
Quem
vai querer habitar
essa
alma mais que vadia,
que
a cada entardecer
vai
perdendo a euforia?
E,
se não há mais
amor
pra dar,
quem
vai entrar
nesse
leilão?
Quem
dará mais
no
meio dessa multidão?
ATREVIDA
Vivo
poesia
Ela
nem me olha.
É
noite sem o dia,
Chuva
que não molha.
Respiro
poesia
Ela
nem me cheira.
É
mar sem maresia,
Deserto
sem poeira.
Sofro
poesia
Ela
nem me chora.
Sonho
sem fantasia,
Vergonha
que não cora.
Morro
poesia
Ela
vem me enterra.
Foi
luta em demasia,
É
paz em plena guerra.
MEMÓRIA
O
que será de mim
quando
meus pais me esquecerem?
Que
memória terei
quando
não mais pertencer à deles?
Serei
um simples ser
vagando
no não espaço?
A
que pedaço
pertencerei?
Em
que gaveta trancarei
meu
sentimento de culpa?
Em
que botecos beberei
com
meu pai?
Em
que costuras ajudarei
minha
mãe?
E
em que copos vazios afogarei
essa
poesia?
Em
que noite, em que dia?
E
nessa penumbra
que
esconderá nossa pequena história
finalmente,
onde estarei?
Enfim,
existirei
depois
desse tempo ido?
E
existirá
algo
mais dolorido?
E
acossado
em
que canto me curvarei?
Não
sei.
Quem
serei
depois
de não ter passado?
VERDADE
Vais
e vens como as marés,
Nunca
sei quem tu és
Quando
acordo ao teu lado.
Troco
as mãos pelos pés,
Os
templos pelos cabarés,
A
virtude pelo pecado.
Vou
do porão ao convés
E
a mentira me faz cafunés,
Nessa
busca sem resultado.
Navegas
nos limites do revés
Num
tempo raramente habitado.
E
só és descoberta através
Do
barco dos pecados naufragado.
DESPEDIDA
(Em
memória de Rafael Simões)
A
tinta no pincel,
o
nanquim rasgando em preto
o
branco do papel.
Imagem
viajando
entre
a terra e o céu
e
a mente divagando
num
intenso carrossel.
Esse
era o Rafael.
Bico
de pena dançando
pontilhados,
parecendo
ilhados pontos
sem
azul, sem mar,
emaranhados
por outro lado,
todos
irmanados
desenho
a se formar.
Da
noite para o dia, no entanto,
tudo
foi se findando...
a
tecnologia, a pressa
foram
lhe empurrando
contra
uma parede espessa.
E
o fascinante
Artista
errante
não
resistiu a tanta covardia.
E
partiu à nossa revelia.
Não
pude vê-lo
envolto
em véu,
mas
tenho em minhas mãos
o
toque de suas mãos pequenas
e
em meus olhos seus olhos espremidos,
barba
por fazer, cheiro de cigarro.
Meu
amigo Rafael
aponta
para mim
naquele
desenho de ‘79
algo
que ainda me comove
(o
caminho da partida?).
Não
soube, não sei, não saberei.
E,
assim, perdi mais uma vez
outro
peão
nesse
meu jogovida
de
xadrez.
ADÉLIA
(Para
Adélia Prado)
Costurando
a linha da
Palavra
macia
Tece
o pano
De
sua abençoada poesia.
E,
com ares de dona de casa,
Num
simples gesto humano,
Limpa
a poeira da ortodoxia
E
da literatura do engano.
E
sai, pé ante pé,
Deixando
o brilho de sua maestria.
Passou por aqui
(Ao
amigo Nando)
Passou
por aqui
como
brisa
que
acaricia
e
desalinha os papéis
sobre
a escrivaninha.
Como
um gato
entre
as pernas do dono
mendigando
carinho.
Passou
por aqui
como
o silêncio
da
madrugada
soprando
versos aos poetas.
Como
a coruja
que
busca sua presa
em
noites sem lua
silente
objetiva
eficaz.
Passou
por aqui
porque
não tem permanência.
Simplesmente
absolutamente
assim.
Passou
por aqui.
Delicada
Feito
uma pétala tombada
Clara
como a fina areia
No
meio do quase nada
Encanta,
canto de sereia.
É
uma flor abandonada
E
a brisa vem e a rodeia
E
uma solidão desenfreada
Emerge
de seu olhar e me tonteia.
O
mar e eu encabulados
Com
esse lindo ser encantador
Ficamos
caçadores enjaulados.
A
brisa vai-se, também o mar.
Ali
quedada, imensa dor.
Ao
lado o poeta a vigiar.
Apenas Dois Minutos
Por
dois minutos
Quero
pertencer
À
sua fotográfica retina
E
de ponta-cabeça
Ser
imagem cristalina
Antes
que você me esqueça.
Por
dois minutos
Quero
navegar
Nos
rios de suas salivas
E
em seus afluentes
E
me ver refletir
No
alvo esmalte dos seus dentes
Antes
de sua boca ressecar.
Por
dois minutos
Quero
estar
No
ouvido seu
E
te sacudir
Com
um poema ateu
Que
feito um vento vai soprar
Antes
que você venha me calar.
Por
dois minutos
Quero
ser a cor do seu batom
E
mesmo que o sabor
Não
seja bom
Vou
me esfregar
Em
suas palavras
Antes
que não possa mais falar.
Por
dois minutos
Quero
escalar
Seus
belos seios
E
do alto dos mamilos sem receio
Bradar
ao mundo a minha conquista
Antes
que eu te perca de vista.
Por
dois minutos
Quero
me embrenhar
Nesta
vasta floresta
E
em sua doce gruta repousar
Findando
esta viagem com uma festa
Antes
que o sonho venha me acordar.
Por
dois minutos...
Por
dois minutos de eternidade
Mesmo
que tudo não seja verdade.
Se
Se
menos vinte anos eu tivesse
E
em algum momento a conhecesse
Queria
que o tempo estancasse
E
tudo ao redor se emudecesse.
E
se uma palavra eu dissesse
E
ela seu ouvido encontrasse...
Ah!
Se há vinte anos eu soubesse
Que
se num breve tempo eu a tocasse
Sua
alma se alucinasse
E
se em seu corpo amanhecesse
Nem
se algum demônio se benzesse
Faria
com que eu a abandonasse.
PELE
Preciso
de uma pele nova,
pele
outra que me cubra,
que
se molde em mim
pela
espátula do querer.
Rosto
no rosto,
olhares
espelhados.
Boca,
gengiva, língua,
movimentos
canibais,
guturais.
Peito
no peito,
barrigas
deslizantes.
As
coxas contra coxas flutuantes,
colantes.
Meu
sexo e o dela
penetrantes.
Pés,
dedos, unhas cortantes.
Cabelos
que não tenho
no
lugar dos meus.
Os
braços num abraço
conjugal.
E
sua inteligência
matinal
suprindo
a minha.
Tudo
sob o chuveiro
de
água morna.
A
toalha úmida
evapora
no varal
o
bolor do pecado
que
se espalha
pela
cidade deserta de paixões.
ALECRIM
Era
uma flor de perfume agridoce
E
pensei ser o meu colo seu jardim
Mas,
pétala por pétala, suicidou-se
Foi-se
tão rápido, sem pensar em mim.
Antes,
porém, como se um vento fosse
Tomou
meu corpo, arrebatou-me assim
E,
passageira, em mim findou-se
Com
seu perene aroma de alecrim.
Não
foi, enfim, um vento assim tão forte
Que
desgovernou meu coração
Quebrando
minha bússola no Norte.
Foi
um doce sorriso e um meigo olhar
Que
eternizaram essa paixão
Orvalho
que surgiu do meio do mar.
FONTE
DA JUVENTUDE
(Revolvendo)
Fonte
da minha juventude,
Água
clara e cristalina.
Deságua
sobre minha quietude
Seu
vigor de força feminina.
Banha-me
com pecado e beatitude,
Afaga-me
em carícia clandestina.
Faça-me
ressurgir em plenitude,
Bebendo
essa luz que desatina.
E
num segundo de magnitude,
Do
modo como o tempo determina,
Vivi
felicidade em amplitude,
Voltei
pra minha árida rotina.
PERDA
Retirei
de você
tudo
que ainda lhe restava:
as
formas sensuais,
para
que não cegasse
mais
ninguém;
e
o tempo,
para
que permanecesse eterna,
como
o David
de
Michelangelo.
No
entanto, você me reteve
na
memória e,
embora
nunca tenha lhe possuído,
não
consigo mais tocar-lhe.
SELVAGEM
Lambe
a presa,
morde
macio.
Entrança
as pernas
sobre
a criatura imóvel e tensa.
Olha
no fundo dos olhos
e
causa arrepios.
Passeia
o outro corpo
como
se fosse seu.
Respira
ofegante e sussurra no ouvido,
a
armadilha está posta.
Os
corpos ondulam, nus e frenéticos,
na
selva cinza,
acima
de buzinas e sirenes.
Selvagem,
ela urra, uiva, grita
e
goza.
Terminado
o rito, a vítima sucumbe,
ela
se renova.
Amanhã,
outro dia.
Outra
caçada.
LOUCA
Com
ares de louca
levantou-se
mais cedo que o dia.
Despiu-se
das roupas
dos
medos
do
pudor
do
consolo da solidão.
Abriu
as janelas
bebeu
o vento pelos poros.
Diante
do espelho
do
quarto,
cabelos
despenteados
enxergou
sua alma
nua,
transpirava
um segredo já esquecido.
Com
ares de louca
descobriu
que era paixão.
AMANTES
A
lua crua
se
esparrama languidamente
pela
rua.
A
amante nua
se
remexe sensualmente
pela
cama e sua.
A
lua nua
se
recolhe timidamente
pelo
vão da janela
de
abas cruas.
A
amante crua
se
entrega perdidamente
no
fim da rua nua.
A
lua crua
e
a amante nua
se
penetram
homossexualmente
sem
rima
sem
rua
sem
nenhuma ser
inteiramente
sua.
A Outra Beatriz
Sai
de casa desvairada
rompendo
as portas da madrugada
cantando
como se fosse feliz.
Num
jogo de tudo ou nada
vai
fingindo que é amada
e
dona de seu nariz.
Assim,
meio desajustada,
faz
seu papel de safada
já
não é mais aprendiz.
E
o cafetão da danada
cobra
uma cota apertada
pra
ela mexer seus quadris.
E
a garota, coitada,
numa
cena apimentada
ainda
sonha que é atriz.
Com
a novela acabada
se
deixa, na cama, jogada,
cai
o pano, retorna a Beatriz.
E
a sociedade calada,
espera
mais uma cantada,
bate
palmas, pede bis!!
GAROTA
AZUL
Lépida,
se embeleza pra mais uma captura.
Mística,
pede perdão e proteção.
Cética,
desacredita no prazer.
Ética,
não diferencia desde que receba.
Cálida,
ilude seu público carente.
Rápida,
esquece as paixões.
Métrica,
vinte minutos bastam.
Prática,
faz a limpeza sem despedidas.
Trôpega,
esquece o corpo pra recomeçar.
Sôfrega,
perde uma lágrima na solidão.
Índiga,
tem que voltar azul depois de todo o cinza.
NAMORO
Digo,
com
os olhos,
o
que não é permitido
às
palavras.
Busco,
no
sumidouro
das
almas castradas
as
esperanças.
Faço,
do
olhar,
meu
caminho concreto
para
a comunhão.
Lanço
olhares
alhures
e
pergunto:
Comigo?
Pereço,
diante
do espelho,
tímido,
lívido,
plácido.
MUSAS
Minhas
mulheres vêm e vão
Como
se fossem o vento
Brincando
com meu sentimento
Meus
sonhos, minha ilusão.
E,
no entanto, não são
Estrelas
que, a todo momento,
Penduradas
no firmamento
Enfeitam
minha imensidão.
Aparecem
de supetão
Causando
embaraçamento
E
certo constrangimento
Nesse
velho coração.
Elas
chegam com a escuridão
Entendendo
meu lamento
E
sem pedir consentimento
Me
entornam sua paixão.
Elas
são Evas, eu sou Adão
Mas
é só no meu pensamento
Que
esse relacionamento
Sai
do céu e vem pro chão.
Mulher
debruçada na janela numa tarde imaginária de outono
Debruçada
na janela
ela
parecia não enxergar.
Queixo
nas mãos
face
delicada
uma
boneca namoradeira.
Mas
seu coração não era feito
de
argila,
e
seu olhar
caminhava
livre, sublime
feito
um remanso,
braço
de mar.
Pra
lá, pra cá.
E
leve
perturbava
quem passava.
E
leve
causava
tropeços nas calçadas.
E
leve
desnorteava
a fluidez do trânsito.
Tinha
cintura bailarina
tinha
ancas chamativas
e
pernas torneadas
para
o amor.
Mas
ninguém podia ver!
Mas
ninguém imaginava!
A
não ser o poeta que passava.
O
HOMEM E A CADEIRA
Um
homem
Trôpego
Sôfrego
Trêbado
Arrastava
pela calçada
Uma
cadeira
Manca
Sem
acento
E
sem utilidade.
Uma
coberta
Esburacada
Jazia
sobre ela.
Inexistências
tantas
Numa
noite fria
De
9 graus.
Passou
por mim
E
senti inverno
Em
sua alma também.
DOIS CORPOS
Era
outro
esse
corpo
que
sobe o morro
bola
de bilhar
tabela
parede
tabela
meio-fio
corpo
largado
ti-tu-bi-ando
vai-não-vai.
Mas,
são tão iguais
eles.
E
onde é que estão,
irmãos
que
não são?
E
o outro
corpo
que
não mais se apresenta?
Bola
de bilhar
na
caçapa?
Sinuca
de bico
sem
saída,
sem
resposta,
sem
vida, mais.
E
esse negro
Magrelo
Singelo
Errante
ti-tu-bi-ante
sobrevive
às suas mazelas
sem
outro corpo atrás.
E,
antes?
Que
mentes eram,
que
corpos eram,
em
outras eras
que
já não são mais?
Corpos
dilacerados,
ulcerados,
irmanados
na
inexistência
diária.
“Vou-não-fui.
Sou
nunca fui.
Vou
todos
vêm.
Volto
na
contra mão
da
História”.
E
aquele negro,
pergunto
insistente?
Existia
ele
pra
gente?
E
esse
existe
agora?
GESTO
Frágil
feito um pensamento
santo.
Delicado
como os segundos
amontoados
no tempo
quebradiço.
É
o gesto.
Depois
da guerra, a paz é inútil.
Após
a vida, a esperança é fuga.
Findo
o amor (seria amor, então?)
restam
as mãos
entrelaçadas,
pedindo
perdão.
Gesto
vão.
Das
janelas que passam
pela
avenida
o
gesto é são.
Passado
presente, passado presente,
algemados
vêm e
vão.
E
o ponto final
desse
poeminha confuso
é
um poeta obtuso
com
o dedo no interruptor
procurando
a escuridão.
Gesto
ou tentação?
Sapatos sem Pés
(ao
amigo vô Lau)
Sapatos
sem pés
jogados
ao léu
sujeitos
às intempéries
do
céu
sem
passos
atravessando
os compassos
do
andar
não
têm almas
para
caminhar.
Jogados
ali
nas
ruas por aqui
calçadas
acolá
em
sacolas rasgadas
ou
pendurados qual aranhas
nos
fios telefônicos
desarmônicos
carecem
de asas
perderam
seus encantos
não
voltam para suas casas.
Sapatos
sem pés
calados
os prazeres e os cantos
sem
joanetes e frieiras
sem
eiras nem beiras
se
desfazem qual seus donos.
VOLTANDO
DO TRABALHO
São
tristes as janelas das casas
que
passam pelas janelas
do
ônibus
(em
movimento).
Uma
sôfrega luz amarelada
convive
com o azul
sonolento
da TV.
Solitárias
e doloridas
pessoas
com olhares distantes
enfeitam
a sala
ao
lado de jarros
de
flores empoeiradas e artificiais.
Tudo
é tão rápido,
tudo
é tão vago,
tudo
é o porão das almas
trancadas.
E
o ônibus vai
e
as vidas vão ficando
para
as próximas janelas
dos
ônibus que vêm.
Balavida perdida
Ainda
tem um corpo
no
chão estendido
e
a lembrança do bandido
é
uma bala no coração.
No
muro ao lado
a
logomarca do crime
pichada
a quatro mãos
duas
da polícia
duas
do ladrão.
Ainda
tem um corpo
sob
jornais, abandonado,
não
era Antônio e nem João
mataram
o sujeito errado
e
ninguém vai para prisão
a
morte vira dinheiro
no
show da Televisão
fica
famosa a polícia
fica
famoso o ladrão.
Ainda
tem um corpo
sentado
na calçada
mãos
feridas, pés cansados,
rosto
seco, fundo de beco,
e
a memória estilhaçada
sem
pecados nem perdão.
Corpo
de vida roubada
por
polícia
ou
por ladrão?
DE
VEZ EM QUANDO
De
vez em quando
Escrevo
um poema longo
Que
começa como termina
Meio
tonto no abandono,
Torcendo
pra alguém chegar ao fim
Pelo
menos de vez em quando.
Só
de vez em quando.
De
vez em quando
Vejo
algumas ruas limpas
E
as pessoas a sorrir,
E
alguém passar por mim
Assobiando.
De
vez em quando
A
cidade também sorri
E
isso me comove.
Por
entre pedras, nasce um verso brando.
Depois
chove.
De
vez em quando
Os
meninos abandonam
Os
computadores, rompem as grades dos condomínios
E,
pés descalços, dançam
Sobre
poças d’águas, debaixo da chuva.
De
vez em quando
Vinícius
me encanta
Com
o Soneto da Fidelidade,
E
sentamos, copos nas mãos,
A
constatar a finitude da paixão.
De
vez em quando
Tenho
medo de procurar
Meus
amigos distantes
E
não ter boas notícias.
E
coleciono vontades.
De
vez em quando
Tenho
olhos verdes
Para
olhar um mundo descolorido,
Enquanto
um mundo colorido
Olha
sempre minha alma cinza.
De
vez em quando
A
casa está vazia,
Os
telefones não tocam
E
a televisão fica desligada
O
dia inteiro.
E
a música flui.
De
vez em quando
É
isso: minhas filhas crescem
Mas
continuam minhas ilhas.
E
eu, com cara de náufrago
Salva-vidas
remo,
Insistentemente,
Contra
a corrente.
De
vez em quando
Eu
jogo bola
E
o joelho dói mais que a consciência,
E
me sinto perdoado.
De
vez em quando
Escrevo
um poema longo,
Que
tropeça nas rimas
Em
pleno abandono,
Pensando
que alguém pode ler até o fim.
Pelo
menos de vez em quando,
Só
de vez em quando.
Sobre todas as coisas
Sobre
todas as coisas
Existe
uma certeza fria
No
deus único
Só
lembrado no naufrágio humano
Que
salva salva e salva.
E
sobre todas as coisas
Existe
a crueza da guerra
Fabricada
nas usinas da fé
Que
produz a violência e o ódio
Pão
nosso de cada dia
Que
mata mata e mata
Sobre
todas as coisas
Existe
a paixão criança envolvente
Que
abraça a alma
Na
mais pura das alegrias
E
goza goza e goza
Mas
sobre todas as coisas
Existe
o amor adulto prenhe
De
ciúme pronto a parir desilusão
Que
chora chora e chora
Sobre
todas as coisas
Existe
o medo da morte
Que
fortalece a vida
Fazendo
o homem buscar seu norte
Sem
se apoiar na sorte
E
respeitando as feridas
Que
sangram sangram e sangram
E
sobre todas as coisas
Existe
a coragem menina atrevida
Que
joga luz na viagem
Compensando
a volta e a ida
E
o acúmulo da bagagem
Que
pesa pesa e pesa
Sobre
todas as coisas
Existe
o nada
Que
pode ser o tudo
Que
deve ser o deus
Que
dispara as guerras
Entre
paixão e amor
Entre
medo e coragem
Que
vem e mata
Que
vai e chora
Que
chega e salva
Que
fica e goza
Que
corta e sangra
Que
encosta e pesa
E
que sobre todas as coisas
Abandona
o homem
Sob
todas, todas as coisas.
Juízo Final
Por
que me inventaste assim,
aqui,
pequeno
e medíocre, disforme, à tua imagem?
Em
que charco enfiaste
tuas
mãos
e
do barro podre e fedorento
me
moldaste?
E
com qual hálito
me
cuspiste a vida?
E
aqui me firmaste
entre
guerras sem metáforas,
povos
que sonham muros,
cores
sem arco-íris.
Por
que tu, força atemporal,
gastaste
um infinitésimo
do
infinitésimo
de
teus segundos
pra
me criar
finito,
tu,
onipresente,
a
me fazer
ausente
sempre de mim mesmo?
Por
que tu te criaste
em
mim?
Ou
te criei,
eu,
pra
me livrar das dúvidas
(minhas),
pra
te elevar as dádivas,
pra
me expurgar das culpas?
E
te criei
pra
não sangrar coroas
de
meus espinhos
e
não assumir meus próprios
caminhos,
quedas,
Madalenas, gólgotas?
E
te fracionei
entre
religiões e hipocrisias,
entre
terreiros e sacristias,
para
que pagássemos caro
toda
essa idolatria.
Por
isso, será,
eu
te criei,
por
medo dos meus medos,
por
medo dos meus ódios,
por
medo do meu fim?
Por
isso, sim, eu te inventei,
deus.
Pra
me deitar em teu colo
e
te chamar
de
Esperança.
JOELHO
(ao
Ferreira Gullar)
depois
que escreveu
Gullar
eu
pergunto:
merece
um osso
todo
esse alvoroço?
sendo
do pé
cintura
ou do pescoço?
e
pensante
reconheci
que todo osso
deve
ter atenção especial
para
não se sentir
deslocado,
afinal
análise
de um poeta
iniciante
(e
tem pré-formação em poesia?)
o
fato é que meu osso
ocupante
do
espaço entre fêmur
e
canela
mais
conhecido como joelho
sem
me pedir conselho
me
arruinou
danço
e
perco o balanço
já
não alcanço
a
bola no futebol
vou
indo mal.
porque
essa tal
de
ossatura
desestrutura
e
junto com a contratura...
putz!
quem
atura
essa
dor?
só
mesmo um poeta fingidor.
Segunda-feira
Apartamento
desarrumado
parece
um tabuleiro de xadrez
mal
jogado.
Sala
na cozinha do quarto
cozinha
no quarto da sala
quarto
na área do banheiro
área
na sala da área
banheiro
protegido por peões
corredor
com obstáculos
intransponíveis,
sachês,
sabonetes, escovas de dente,
toalhas,
tapetes,
tudo
ao chão.
Rei
na casa da Rainha
em
xeque! Mate-me!
Rainha
foge pro sofá da sala
próximo
movimento: televisão!
Filha
na torrequarto
se
isola na ponta do tabuleiro.
Cavalocachorra
em
eles saltitantes
tenta
manter seu território errante.
E
jogo vai,
jogo
vem,
limpeza
também.
E
dá-lhe desinfetante!
Final
da tarde
tudo
brilhante.
Cada
peça cumpriu seu papel
e
várias aranhinhas sem poder
fazer
rapel.
Cupins
e traças unidas
perdem
seu lugar
e
vão pro lixo reclamar.
E
mais uma segunda-feira perdida
entre
os (des)utensílios desse lar.
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